Resenha: Tartarugas até lá embaixo, de John Green


Circula no meio científico, a história de que certa vez, um renomado cientista palestrava sobre o modo que a Terra orbita o Sol, e como o Sol orbita o centro de várias galáxias. No fim da palestra, uma senhorinha levantou-se e disse: "O que o senhor falou é bobagem. Na verdade o mundo é um prato achatado apoiado no dorso de uma tartaruga gigante." Intrigado, o cientista perguntou em que a tartaruga estaria apoiada, então. E a senhorinha confiante, respondeu: "Em outra tartaruga. Uma tartaruga atrás da outra. Há tartarugas até lá embaixo".

“Um dos desafios dador, seja física ou psíquica, é que só conseguimos nos aproximar dela através de metáforas. Não temos como representá-la como fazemos com uma mesa ou um corpo. De certo modo, a dor é o oposto da linguagem”.

A relação entre a história acima e o livro do John Green é uma das metáforas mais inteligentes que já vi. Há várias tartarugas até lá embaixo e a protagonista Aza Holmes tenta, exaustivamente, encontrar a primeira. Como seria viver dentro da cabeça de alguém que tem TOC (transtorno obsessivo compulsivo) e ansiedade? John Green proporciona essa experiência e é através da Aza que você conhece a luta diária que é conviver com transtornos mentais.

"Mas eu estava começando a entender que a vida é uma história que contam sobre nós, não uma história que escolhemos contar."

É possível entrar na mente de Aza Holmes em vários momentos da narrativa e chega a ser doloroso ler os conflitos dela mesma com os próprios pensamentos. Tão brilhante e imersiva é a escrita do autor que dá pra sentir o quanto os pensamentos podem paralisar, e quão difícil é viver com medo de algo que não vai acontecer, enquanto sua mente, impiedosamente, diz que vai.

"Não entendia como alguém podia me aguentar. Até eu me achava irritante."

Paralelamente a isso, Aza e a melhor amiga Daisy, se envolveram em uma investigação em busca de um milionário, pois a recompensa por qualquer pista facilitaria muito o ingresso das duas numa faculdade. Mas Aza não podia imaginar que dinheiro algum pagaria as experiências que teria. Um turbilhão de sentimentos mesclados a um turbilhão de pensamentos... ambos incontroláveis.

A escrita do John Green está visivelmente mais madura e Tartarugas até lá embaixo foi o livro dele que mais conversou comigo. Sabe quando um livro te abraça? Era como se o próprio John estivesse ao meu lado, com a mão no meu ombro e sorrindo amigavelmente. Tartarugas até lá embaixo pode ser um romance adolescente simples para alguns, pode também ser uma lição de empatia, e pode ser também a luz no fim do túnel para quem tem transtornos mentais. Esse livro pode ser o pontapé inicial para muita gente buscar tratamento. E esse livro pode ajudar muitas pessoas a descobrir que ser feliz é possível.

Tartarugas até lá embaixo é recheado de referências e menções a grandes escritores, tais como Shakespeare e Charlotte Bronte, e também tem muita cultura pop. Um personagem especial à sua maneira adora escrever e inspira-se nos clássicos na hora de pôr para fora os sentimentos. Outra coisa interessante sobre o livro é a arte da capa: uma espiral. Seu significado é uma metáfora aos pensamentos de Aza Holmes.

"O mais apavorante não é girar sem parar numa espiral crescente, é girar sem parar na espiral que se afunila. É ser sugado para um redemoinho que vai se fechando mais e mais e esmagando seu mundo até você estar apenas girando sem sair do lugar, preso numa cela que é exatamente do seu tamanho e nem um milímetro a mais, até você finalmente dar conta de que na verdade não etá preso na cela. Você é a cela."
  
Por fim, o próprio John Green tem TOC e escrever uma história tão verdadeira sobre o tema só mostra que ele é um ser humano grandioso. Querido John Green, obrigada por ser incrível!

"Posso resumir em três palavras tudo que aprendi sobre a vida: a vida continua."
<3 

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